Inquieto por Saúde
por Guilherme Thomé

O paradoxo que ninguém assume na gestão da saúde

Sempre me chamou atenção um paradoxo curioso na gestão em saúde: nossa tendência natural de separar coisas que não deveriam estar separadas. De um lado, o cuidado clínico—essencial, técnico, evidente para todos. Do outro, a operação administrativa—silenciosa, discreta, invisível aos olhos de quem está fora. No centro dessa divisão, muitas vezes esquecido, está justamente quem deveria importar mais: o paciente.

Imagina a Ana, paciente internada aguardando uma medicação vital. A equipe clínica agiu dentro do protocolo, tomou decisões certas no tempo certo. Mas, mesmo assim, a medicação não chegou até ela no momento exato. Alguém esqueceu, alguém não informou, ou simplesmente algo não foi comunicado ao setor responsável. Ana não sabe, nem deveria saber, como funciona o bastidor. Mas ela sente imediatamente as consequências dessa divisão invisível: angústia, insegurança e desconforto.

As linhas assistenciais, cuidadosamente projetadas, existem exatamente para evitar essas situações. São caminhos claros, desde o atendimento primário até tratamentos altamente complexos, estruturados por protocolos clínicos sólidos e rigorosos. Porém, algo essencial muitas vezes passa despercebido: mesmo a linha clínica mais bem desenhada precisa de um apoio administrativo igualmente estruturado. Um medicamento que não chega na hora certa, uma refeição inadequada ou um equipamento defeituoso podem colocar toda essa estrutura em risco.

A operação administrativa, aquela que fica escondida por trás dos protocolos clínicos, sustenta todo o processo de assistência. Ela garante medicamentos entregues, equipamentos funcionando, equipes disponíveis e informações claras e oportunas. Por mais que sejam processos vistos como burocráticos ou secundários, eles são absolutamente decisivos para que o cuidado clínico aconteça da forma correta.

É exatamente aqui que está o paradoxo que mencionei: separar essas duas realidades, clínica e administrativa, pode parecer confortável, mas, na prática, é arriscado e até perigoso. Não se trata apenas de integrar equipes ou realizar reuniões periódicas, mas sim de estabelecer uma comunicação constante, natural e fluida entre quem cuida diretamente dos pacientes e quem cuida da operação que torna isso possível.

Integrar, de forma genuína, significa criar equipes que conversem o tempo todo, sem divisões rígidas, trabalhando lado a lado com objetivos claros e compartilhados. Significa sistemas integrados, capazes de unir informações clínicas e administrativas rapidamente. Significa ter indicadores reais que contem toda a história do cuidado—sem distinções artificiais entre assistencial e operacional.

Romper com essa divisão pode até parecer desconfortável no início, mas talvez seja exatamente esse desconforto que precisamos sentir um pouco mais. Afinal, reconhecer um paradoxo e enfrentá-lo de frente já é um grande passo em direção a uma gestão mais integrada, mais fluida e muito mais centrada no paciente.

Um abraço e até a próxima.

O paradoxo que ninguém assume na gestão da saúde – Guilherme Thomé

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